A primeira pessoa a alertar sobre a existência de uma possível epidemia viral foi o oftalmologista chinês Li Wenliang, que, mais tarde, faleceu em decorrência da infecção pelo Sars-Cov-2. O que originou a suspeita foi o aumento de casos de conjuntivite (que podem podem estar atreladas a algumas doenças respiratórias) entre os moradores da cidade de Wuhan. Desde então, já descobrimos que, além de apresentar a inflamação da conjuntiva como um dos sinais da doença, o olho também pode ser uma das vias de contaminação.
Mas o que se sabe a respeito de problemas oculares causados pela Covid-19? Alguns pesquisadores têm se esforçado para compreender os efeitos da infecção sobre os tecidos oculares e a extensão dos danos à visão.
Alterações na retina causadas pelo Novo Coronavírus
Um estudo realizado pelo IPEPO (Instituto Paulista de Estudos e Pesquisas em Oftalmologia) da USP, publicado na The Lancet, notou alterações na retina em pacientes infectados pelo Coronavírus.
Na fase inicial, foram observados 12 adultos (seis homens e seis mulheres) com idades entre 25 e 69 anos e que não precisaram de cuidados intensivos. Desses, sete não apresentavam nenhuma comorbidade. As avaliações foram feitas entre 11 e 33 dias após o surgimento dos primeiros sintomas da Covid-19.
Em todos os participantes foram detectadas lesões hiperrefletivas na altura do gânglio ciliar e na camada plexiforme interna mais proeminente do feixe papilomacular nos dois olhos. Quatro pacientes apresentaram, ainda, exsudatos algodonosos e hemorragias em chama de vela.
Hoje, já são mais de 200 pessoas avaliadas, incluindo indivíduos com quadros mais graves da doença e que necessitaram de internação em UTI. Na edição de janeiro da revista Universo Visual, a oftalmologista Heloísa Nascimento, umas das responsáveis pelo estudo, explica que grande parte desse grupo apresentou alterações na retina, mas sem indícios de problemas oculares causados pela Covid-19. Foram raros os casos de prejuízo à visão e a suspeita é de que eles sejam causados pelos efeitos tromboembólicos da infecção pelo coronavírus.
Lesões vasculares em pacientes com quadro crítico da Covid-19
Um outro estudo que encontrou alterações na retina foi realizado por alunos da disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina do ABC, de Santo André (SP). Nos exames, as pupilas dilatadas foram mapeadas com oftalmoscópio indireto e registradas com retinógrafo portátil, a fim de investigar possíveis problemas oculares causados pela Covid-19 em 18 pacientes com quadro grave da doença enquanto estes ainda estavam internados no hospital Mário Covas.
Entre os participantes do estudo, dez apresentaram anormalidades na retina. As principais foram lesões vasculares agudas na retina interna, com hemorragias de padrão isquêmico, manchas algodonosas e palidez setorial.
O artigo publicado no British Journal of Ophthalmology traz a informação de cerca de 31% dos pacientes com quadros críticos da infecção pelo Novo Coronavírus apresentam complicações trombóticas, muito provavelmente causadas pela resposta inflamatória do organismo contra a doença (e não diretamente pela ação do vírus). Como a retina é um dos tecidos mais metabolicamente ativos do corpo e sua circulação terminal é bastante sensível a eventos isquêmicos, esses resultados podem ser um espelho do que acontece em outros órgãos devido à Covid-19.
A equipe continua a monitorar os pacientes que tiveram alta, mas, por enquanto, não há danos permanentes à visão. Entretanto, os dados do estudo podem ser valiosos para a comunidade científica.
Interrupção de tratamentos de outros problemas oculares devido à Covid-19
Até o momento, o maior impacto da pandemia do Novo Coronavírus sobre a saúde ocular tem sido a descontinuação de tratamentos e a falta de acompanhamento de problemas preexistentes. Cirurgias eletivas foram canceladas e muitos pacientes, com receio de se contaminarem na ida ao consultório, deixaram – e ainda deixam – de ir a consultas e procedimentos, agravando o quadro de doenças oculares crônicas.
Com a chegada da vacina e com os indivíduos sentindo-se mais confortáveis em sair de casa para atividades não essenciais, cabe ao médico oftalmologista garantir um atendimento seguro para si e seus pacientes, seguindo as recomendações do CBO para contornar os danos causados pela interrupção dos tratamentos.
Exposição a telas
Um outro efeito indireto da pandemia do Sars-Cov-2 é a Síndrome Visual Relacionada a Computadores (SVRC), causada pelo excesso de tempo que passamos em frente a computadores, tablets e celulares devido ao isolamento social e às atividades de home office.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Oftalmologia, a síndrome apresenta sintomas como cansaço visual, causado pelo ressecamento ocular; sensação de corpo estranho; ardência; dor; irritação; vermelhidão e turvação visual.
Nesse sentido, o médico oftalmologista deve aconselhar seus pacientes a realizarem pausas de cinco a dez minutos por cada hora em frente à tela e descansar por um tempo maior a cada quatro horas. Também é recomendada a aplicação de colírio hidratante sem cortisona de duas a quatro vezes por dia.
Já um estudo chinês alerta que o isolamento, com falta de atividades ao ar livre e tempo excessivo de utilização de eletrônicos, aumentou em 400% a prevalência de miopia em crianças de até seis anos de idade.
Ainda não há evidências de danos permanentes devido aos problemas oculares causados pela Covid-19. No entanto, alerta-se para a importância de realizar o exame de fundo de olho nos pacientes que testaram positivo para o Novo Coronavírus, mesmo que esses não notem nenhuma alteração na capacidade de enxergar.
Fonte: Revista Universo Visual